Entrevista com Jean Oury – Qu’est-ce que je fous là?[1]
Frequentemente digo, em não sei qual livro, que às 11 horas da noite em La Borde, no claro da lua, venho aqui sobre a relva e olho para isto e, então, digo a mim mesmo Qu’est-ce que je fous là? O que estou fazendo aqui?
É como se fosse a primeira vez que eu visse isso. É absurdo, mas ainda nesse momento, o que faz isso aí? Agora, o que estou fazendo aqui? Isso se tornou famoso, inclusive Marc Ledoux escreveu um livro em flamenco que se chama: O que eu faço aqui? Ainda quando eu dizia: não podes traduzir? Traduzo isso em flamenco, mas com “o que estou fazendo aqui?” também se faz um gesto com o que estou fazendo aqui? Mas não se pode traduzir! E além disso, em flamenco não é isso! E isso não impediu que se publicasse “o que estou fazendo aqui?” é um retorno a zero de tudo sobre o plano, (…), porque digo: “o que estou fazendo aqui?” É um plano teórico? Vejamos bem, por exemplo… sobre um plano psicanalítico, está aí Freud quem bem disse e, muito bem retomado por Lacan.
Lacan não é demasiado complicado, salvo que a gente não sabe ler (grifo meu)! Isso é tudo! Mas Lacan disse: há passagens no processo analítico durante uma análise que tem momentos… que tocamos… tocamos o fundo… não há mais nada, e Freud havia chamado em alemão e, que tem sido mal traduzido “Not des Lebens”, então… NOT DES em alemão quer dizer a miséria, é miserável… não há mais nada, é uma colocação sobre o tapete, LEBENS, é a vida… A colocação sobre o tapete da vida, porque eu havia traduzido dizendo, e isso se tornou famoso, eu disse, estamos aqui assim… olhamos, se um vai a análise e diz: pff… é o que eu chamei: o fundo da panela, no fundo da panela, não há mais nada, uma busca, não há mais nada, não há mais sopa, é só o fundo da panela. É o fundo da panela, é a miséria da existência, é o nada, então “o que estou fazendo aqui?” O que isso quer dizer? “Not des Lebens” é dizer, se um passar em uma análise, se é que isso é possível, se é que isso existe, se não se passa por uma etapa “Not des Lebens”, isso não é uma análise! Há que reconstruir tudo, a todo o tempo, e então, com isso que descrevo aqui, “o que estou fazendo aqui?” Onze horas da noite em Le Borde, é isso…
E voltamos aos esquizofrênicos, há muitos aqui! Há que reconstruir o mundo a todo tempo, sem o qual isso se enfraquece… para isso há os clubes! as atividades, e isso sempre é repartir (dividir), a base para reconstruir o mundo, é com isso com que os esquizofrênicos têm que fazer. Mas então, “aqui qual é o trabalho?” é a distinção entre estado (status), papel e função, eu repito isso a todo o tempo, o status, um tipo que é contratado porque tem um diploma de não sei o que e, uma certa experiência, tem um status e, mesmo um recibo de vencimento em relação ao seu status, mas sua função desde o momento em que se está aqui, o que é? Sua função é de estar tomado em um conjunto, um clube ou outras coisas que tenham função terapêutica, é dizer que tenha em conta que as outras coisas existem! Que não são números, portanto, como muitos hospitais, por exemplo, é importante dizer: bom dia! Ainda de longe!
Agora, claro que isso não está previsto no status, um foi contratado para ser enfermeiro, burocrata, etc, isso não impede que o que importa seja isso… não o papel, não podemos saber, são os outros que nos dão um papel que às vezes ignoramos, que é muito mais importante do que cremos. É muito curioso, ainda pessoas completamente apragmáticas que não se movem e lamentavelmente, aqui está mais da conta, de que não andam dando voltas, ficam em um canto e que quando um passa, fazem… é tudo o que fazem na jornada, então: se um não responde, então, um é um idiota sem sabê-lo, até o mais grave! É mais ou menos isso…
[1] Entrevista com Jean Oury realizada por Anäele Godard que está no documentário: Qu’est-ce que je fous là? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bfI2IRbwRKY&t=266s. Trabalho transcrição e de publicação interna do Salpêtrière Espaço Psicanalítico. Feita por Aristela Barcellos de Andrades.