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Sarau Poético – Texto 9: Mulheres, de Beauvoir

Mulheres, de Beauvoir[1]

Aristela Barcellos de Andrades[2]

Hoje, domingo, comecei a ler o livro de Simone de Beauvoir – A Mulher Desiludida. Parei para almoçar, pensando que mais tarde escreveria alguma coisa sobre sua leitura, a de seu livro, é claro, consequentemente, do que ela retrata em suas narrativas, estava ainda no primeiro capítulo do livro. Após o almoço fui me deitar e continuar a ler, cheguei ao capítulo do Monólogo, o que me deixou um tanto quanto…, não sei explicar, quem sabe intrigada, mas continuei a leitura. Um sono tremendo começou a tomar conta de minha consciência ao ponto que trocava as frases, as palavras, às letras… Achava que esse capítulo seria de certa forma uma continuação do primeiro, sobre a Idade da Discrição, muito boa leitura que renderá muitas discussões. Pois bem, dormi, um sono pesado. Rapidamente não escutava mais nada, não me dei conta, mas já havia dormido. Após uma hora e 40 minutos passados, aos poucos fui sentindo e ouvindo certos barulhos ao longe, vizinhos falando alto, o hino nacional tocando na televisão para o jogo do Brasil, os cachorros latindo, o vento do ventilador tentando acalmar um calor sufocante que tomava conta da pessoa que estava deitada naquela cama, eu, vozes (como a própria personagem de Beauvoir) rondando minha cabeça, minha, minha! Dei-me conta que era eu. Acordei. Meu Deus, estou falando como ela, como Martha Medeiros, como outras tantas mulheres que relatam seus sentimentos, sensações … Tudo bem faço parte deste time! Abri os olhos, fechei-os novamente, e naquela penumbra entre acordar e não acordar, eu me escutava, via-me, escrevendo este texto. As palavras saiam de minha mente numa fúria, numa rapidez, ao mesmo tempo, em que tranquilas, como se de fato soubessem o que diriam, saiam em uma associação livre, mas com vírgulas, e uma fria sensação de paz, mas muito acolhedora tomava conta de meu eu, de mim, juntamente com uma força que fez com que imediatamente eu descesse (estava no segundo andar), me sentasse ao computador e começasse então, a escrever e esvaziar um pouco esse caldeirão de angústia.

            Vamos adiante então! Independentemente de você cursar ou não Psicologia, ouve-se muito dizer que nem Freud entendeu as mulheres. Pois é, nem nós nos entendemos, às vezes sim, outras não! Mas há alguém que de fato entendeu os homens, outra incógnita, não é mesmo?! Após ter lido o capítulo Idade da Discrição de Beauvoir, ou melhor, enquanto lia, ficava perplexa com suas indagações, com o seu narcisismo exacerbado – o da personagem; e imagine o meu, de estar aqui ousando a falar dela; com sua carência afetiva, com o seu “autoritarismo”, e o principal, com a sua imaginação super fecunda, que produzia várias outras histórias, para vários outros capítulos, para vários outros livros.

            Falava de uma história sobre o envelhecer, sobre o medo de se chegar a esse tempo, medo de viver essa estação, na qual parece e, que a personagem colocou isso inúmeras vezes, de forma otimista, como se fosse um momento de ganhar coisas também, como na juventude, e não de forma pessimista, como o seu marido expunha, que seria o tempo de perdas. Estranho. Falei personagem, e não o nome dela, pois bem não o recordo, não sei se tinha, e engraçado que cairia muito bem se não o tivesse posto. Indago ou digo somente que cairia muito bem se esta personagem não tivesse alcunha, pois será que era a fulana de fato? Quem era essa mulher que exigia que seu filho seguisse seus passos e aquilo que ela tinha sonhado? Que ideologia eram as que ela seguia? Já transponho isso para o seu marido, quem era o cientista de idade avançada e frustrado por não estar conseguindo mais, sozinho inflar o seu “generoso” ego? Quem eram essas pessoas?

Neste momento me questiono: Qual é mesmo a diferença entre homens e mulheres, além de seu sexo? Enquanto lia a história, pensava, meu Deus que mulher angustiada, impulsiva, junto de um homem calmo, passivo, como conseguem? Mas essa história de que opostos se atraem é para outro texto, e se é que se atraem mesmo!

Ela explodia, gritava, ficava brava, inquieta, somatizava em suas longas dores de cabeça que a aliviava, em seu divã! Muitas vezes, ela conseguia externalizar o seu sofrimento e a suas angústias, gritando, saindo para caminhar, e o seu marido o que fazia? Ele retinha todo o seu sofrimento para si, não se expondo, mas isso não significa que não o sentia. Muito pelo contrário, talvez, sofresse mais que ela, só a sua maneira de lidar com suas aflições eram diferentes, é aí então, que entra a diferença entre mulheres e homens, e também, a atração pelos opostos que ficará para a próxima. E não esses julgamentos diagnosticados generalizados de histérica e companhia limitada que ouvimos diariamente. Não podemos ser tão diferentes assim, se não o que faríamos juntos, o que atrairia um ao outro?

Agora percebo que acabei dando uma fugidinha de mim mesma, de minha pergunta inicial, quem somos nós? Quem eram aqueles personagens com medo? Com medo de um tempo, de uma estação, melhor, com medo do diferente, medo do que vem pela frente, medo de descobrirem o que são de verdade, medo de olhar para trás e ver o que foram e hoje o que são, o que fizeram e o que ficou, se serão lembrados algum dia! Quem somos nós senão as nossas próprias escolhas? E porque necessitamos tanto depositar tamanha expectativa em um outro, que consequentemente, ele realize aquilo que na verdade não somos capazes de fazer por nós mesmos? Que narcisismo este desgraçado que não nos liberta e nos deixa viver em paz sem pormenores? Quanta contradição não é mesmo? Todavia se isso acontecesse, onde ficaria a nossa essência, onde esconderíamos a nossa energia pulsional, para onde a nossa libido nos levaria se estivéssemos de fato livres? Acredito que estaríamos mortos psiquicamente! Com certeza não iríamos para o céu, pois já vivemos num inferno psíquico, numa crise existencial desde o momento em que somos gerados, ou até antes, pois porque nossos pais quiseram nos colocar em um mundo como esse, com pessoas como estas? Sabe por quê? Eles também vivem essa crise existencial, e como nós, também precisam se agarrar e se desvencilhar dela. Através de nós? Não sei! Mas não se assustem, os infernos não são tão ruins assim, e é dele que tiramos força para nos levantarmos de nossos tropeços e é aí, nesse momento, que às vezes saímos para dar uma volta no paraíso, onde gozamos de nossa vida em todos os sentidos. E onde consequentemente, “viajamos” para um mundo de fantasias que nós mesmos criamos para não viver no marasmo, na mesmice do cotidiano de nós mesmos, como por exemplo, fez nossa amiga nesse conto, ao final dessa história. Querem saber, ou entender como foi? Leiam-na!


[1] Revisitando esse texto que foi escrito em 05/06/2005.

[2] Psicóloga, Psicanalista Membro Fundadora do Salpêtrière Espaço Psicanalítico.

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