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Revista Cot(id)ianos – Texto 3: Elogio ao Politeísmo: Instituições Psicanalíticas, por quê?


Elogio ao Politeísmo: Instituições Psicanalíticas, por quê?[1]

Aristela Barcellos de Andrades [2]

Venho há algum tempo me deparando com questões que envolvem a relevância das instituições psicanalíticas na formação do analista, e principalmente, qual a sua função e a função de quem faz parte das mesmas? A partir dessas questões, resolvi trazer esse resto de pensamento com o qual me debato há alguns anos, como também, os resquícios de confabulações ainda existentes em mim, com o intuito de tentar perceber de uma melhor maneira, o que essa “grande família” representa em minha formação enquanto psicanalista.

Há anos estudo o que são as instituições psicanalíticas, de onde vieram, como iniciaram seu processo e de que maneira foram construindo sua própria casa. Hoje, após ter passado por várias experiências ao ter sido membro de algumas dessas sociedades psicanalíticas tanto do Brasil, quanto da França, percebo e revejo a contradição existente lá no início de minha formação em pensar que estar em uma instituição seria algo tranquilo. Isso implica falar mal delas? De maneira alguma, porém desde muito cedo percebi que estar numa instituição não garante a própria formação em psicanálise. Formação essa experienciada de forma permanente, sempre renovando as questões sem esgotá-las, diferentemente, daquilo que estamos encontrando ultimamente nos cursos de pós-graduação na tentativa desenfreada de tornar a formação em psicanálise algo instituído em uma universidade, por exemplo.

Desde minha graduação em psicologia quis fazer parte de instituições psicanalíticas, de vivenciar diariamente o que seria isso. Freud já diz no Mal estar de cultura que a forma como lidamos em uma instituição é a forma como lidamos com nossa família. Frente a essa colocação percebo que com o passar do tempo e muita análise isso foi tomando um rumo mais interessante e até mesmo, mais saudável, mas a que preço? A cada instituição que eu entrava o meu tempo de permanência foi diminuindo, pois percebia aquilo ao qual me entregava e o adoecimento que vinha logo em seguida frente a conflituosas situações. O desejo de fazer parte foi diminuindo intensamente e a falta de vontade de tentar novamente foi se esvanecendo. Juntamente a esta tristeza de ver um sonho se apagando aparecem muitos conflitos, costumo chamá-las de “crises subjetivas psicanalíticas”, em que sempre me questionei o que estava fazendo, na maioria das vezes, duvidando de minha própria capacidade e de meus conhecimentos intelectuais de leitura e acredito que até de discernimento, quando me senti incapaz, pois achava que não poderia contribuir com absolutamente nada em um estudo com pessoas de outra instituição ao qual não fazia parte efetivamente, por exemplo. Por que entrei? Na verdade, por que entrei em todas elas? Por que saí? O que fiz comigo em todas essas instituições?

Fiz aquilo que fiz comigo em minha vida, tentei, lutei, briguei, e saí, fui embora… sempre fiquei muito empolgada, emocionada a até deslumbrada a cada vez que iniciava um novo projeto, uma nova instituição, um novo começo, novos aprendizados, novos amigos. E muito triste ao sair, pois é muito semelhante de como se sai de um relacionamento fraternal, amoroso, por exemplo, pois pensamos que é como se nada tivesse dado certo… mas é claro que deu, deu certo por um tempo, uns mais longos, outros mais curtos, mas tudo na vida precisa de um limite, de um fim e de um recomeço.

E como vivemos de recomeços e novas chances a si mesmo e ao outro, recomeço nesse texto com um desabafo e ao mesmo tempo um repensar e um novo agir em relação a minha permanente formação em psicanálise. Nesse ano fui convidada por uma querida colega do tempo da faculdade para falar sobre a minha experiência com a clínica para formandos do curso de Psicologia da UFN (Universidade Franciscana – Santa Maria/RS). Falei de minha trajetória, por onde passei, o que trabalhei, do quanto aprendi e continuo aprendendo, das dificuldades que passei e uma das alunas perguntou o que eu mudaria em tudo isso, e respondi sem pestanejar, “absolutamente nada”, pois se hoje penso assim, foi devido a tudo isso que experienciei. A psicanálise não é uma especialização ou algo do gênero, não se trata de uma questão acadêmica, penso que se trata de uma forma de ver a vida por onde aprendemos a lidar com a nossa trajetória, assumindo nossas questões, e não recuando frente ao nosso desejo. Não se torna psicanalista quem faz uma pós-graduação em uma universidade, nem mesmo é garantia para aquele que está numa instituição, achando que estar na mesma, basta. O sujeito necessita sustentar seu dizer, a sua palavra, o seu fazer, tanto na vida, quanto em seu lugar de escuta, ao ser um psicanalista e no lugar de analisante e de analista.

Inúmeros relatos estão disponíveis em também inúmeras obras, contando-nos sobre como tudo isso foi sendo construído no decorrer da vida. A cada vez que leio ou retorno a uma leitura feita há um tempo, percebo que muitas das formas tomadas por cada instituição, não foram “recomendadas” por Freud, o criador da Psicanálise. Lacan no final de sua vida, em seus últimos seminários traz a questão de qual papel, qual a função do psicanalista, senão a de reinventar a psicanálise, frente ao tempo do sujeito e ao tempo de nossa cultura, ao contexto em que estamos inseridos. Esse foi o fracasso do Passe para Lacan, seus “alunos” não quiseram ou não se permitiram ultrapassar o mestre, não o questionaram. Em várias transcrições de reuniões realizadas com o próprio Lacan sobre o que era um Cartel, por exemplo, nas apresentações feitas, deram-se por conta que nenhum dos estudos realizados era um cartel, mas sim, grupos de estudos onde os participantes colocavam o coordenador no lugar de mestre e o restante aguardava pela apresentação do tema, como se fosse um seminário, e o coordenador acabava assumindo esse lugar. O próprio Moustapha Safouan se deu por conta disso em uma dessas reuniões, após Lacan tê-lo pedido para falar sobre o cartel, e ele mesmo relata que havia se esquecido da Proposição de 9 de outubro, onde Lacan traz em seus Escritos o que seria o cartel.

O que percebo atualmente é que muitos esqueceram, criticam desenfreadamente, não querem retomar a tradição, ou seja, ir na fonte, ir no original e retomar toda essa leitura, essa forma de pensar, e repensar, discutir e consequentemente reinventar. E onde se percebe isso? Percebe-se isso no ir e vir da clínica, através de discussões, de estudos em inúmeros lugares com inúmeras pessoas que tomaram a psicanálise como o seu fazer. E o que fazemos aqui? Continuamos indo e vindo, lendo e relendo, pensando e agindo, nos permitindo a reinventar, por ora e talvez de uma maneira muito tímida, recuperando o fôlego, prestando mais atenção por onde pisamos, mas se cairmos, levantaremos novamente, pedindo licença a tristeza e dando um novo lugar a um novo revisitado e quem sabe, reinventado!

Basta! Chega de elogiar os supostos deuses da contemporaneidade que acreditam terem inventado a roda, todavia, podemos pegar essa roda já inventada e existente há muito tempo e colori-la, com o respeito a ela e tudo o que ela já fez. Respeitar o já existente e o que foi criado por Freud e Lacan já é um bom começo, até porque eles sabiam o lugar que ocupavam nesse campo e nas sociedades psicanalíticas e sem sombra de dúvidas não era o lugar “deus/deuses”, mas sim, o de sujeitos no mundo, fazendo da palavra e da escuta seu saber fazer, o esteio de sua trajetória, a sua própria reinvenção!!

Por ora, permito-me a parar por aqui, por um tempo… vou deixar o tempo dar lugar ao novo e possivelmente continuar essa escrita, o meu reinventar!!!!


[1] Texto apresentado no Grupo de Estudos – Encontros de Formação em Psicanálise, no 2º semestre de 2022, no Salpêtrière Espaço Psicanalítico.

[2] Psicóloga, Psicanalista Membro Fundadora do Salpêtrière Espaço Psicanalítico.

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